Por Thiago Rahal Mauro
Eu não estava pensando no Mário. Não havia escutado suas músicas recentemente, nem lembrava de datas ou aniversários. Mas naquela noite, ele apareceu em um sonho marcante, cantando para mim e dizendo um simples “oi”. Acordei com uma sensação difícil de explicar. Mais tarde, descobri que era justamente o dia do lançamento do The Beloved Bones: Hell, no dia 14 de julho. No dia seguinte, coloquei a discografia dele para tocar, uma música atrás da outra, e rezei em silêncio — pedindo que ele estivesse em paz, onde quer que estivesse. Aquilo mexeu comigo profundamente e me fez perceber que eu precisava escrever.
A trajetória que compartilhei com ele foi muito além do profissional. Trabalhei como assessor de imprensa e empresário, vendendo shows por vários anos, e construí uma sólida amizade com Mário. Vimos juntos muitos capítulos da carreira do Dark Avenger e da Harllequin. Estive ao seu lado em momentos de criação intensa, em ensaios, gravações e muitos shows, inclusive o memorável na Clash Club, que produzi com tanto carinho e que ficou marcado como “show histórico” no meio metal nacional.
Os dois primeiros discos do Dark Avenger, Dark Avenger (1995) e Tales of Avalon: The Terror (2001), são marcos sensíveis e poderosos na história do metal brasileiro. O álbum de estreia trouxe riffs certeiros, vocais agudos e uma urgência criativa que firmou a banda como promissora no cenário brasileiro. Já Tales of Avalon elevou a composição a outro patamar, com músicas como “Morgana” que demonstravam um amadurecimento, não apenas técnico, mas emocional e conceitual. Essas primeiras obras mostraram ao Brasil que uma banda independente tinha arte, ambição e padrão de execução para competir com nomes consagrados.
Com a minha empresa, a TRM Press, ajudei a banda em várias fases. Fizemos assessoria de imprensa, divulgamos lançamentos, organizamos entrevistas, conectamos o Dark Avenger a veículos e fãs de todos os cantos. Foi uma correria boa — aquela adrenalina que só quem vive o underground conhece. Estávamos sempre em cima dos prazos, enviando material, falando com rádios, sites, revistas… Tudo para garantir que a música deles chegasse onde merecia: bem longe. E chegou. O nome da banda ganhou força em vários lugares e tive orgulho de estar nessa jornada com eles.
Lembro com clareza do show na Clash Club em São Paulo, em abril de 2014, que tive a honra de produzir. Foi uma noite intensa, marcante, talvez a mais especial da fase final da banda. O Mário estava visivelmente emocionado — e cantou como poucos. Era como se ele soubesse que aquele momento precisava ser eterno. O que muita gente não sabia é que aquele foi o último show antes de uma cirurgia delicada que ele teria dias depois. E lembro bem: poucos dias após a operação, ele me ligou do hospital, ainda com a voz cansada, mas cheio de alegria, para me contar o quanto aquele show o havia deixado feliz. Aquilo ficou gravado em mim, como um testemunho da paixão que ele tinha pelo palco e pelo público.
Desde então, tinha deixado de ouvir os discos com frequência, mas esse sonho reacendeu o desejo de revisitar todas aquelas músicas que reverberam com tanta força e emoção. Redescobri a intensidade de Die Mermaid!, a narrativa épica de Morgana, a consistência emocional de cada composição que ele criou com humanidade e técnica. Reviver essas canções me fez perceber que a arte dele vive, transcende o tempo e nos conecta por sua verdade.
Hoje escrevo com saudade e gratidão. Gratidão por ter dividido etapas como assessor, empresário, produtor e amigo. Gratidão por ter aprendido tanto ao lado de uma das vozes mais potentes do metal nacional. Gratidão por ter sido lembrado nesse sonho como alguém que compartilhou essa jornada com ele. E, ao compartilhar esse texto, espero lembrar a todos que, mesmo depois de tanto tempo, a obra de Mário Linhares ainda vibra com força, chama a atenção de novos ouvintes e nunca deve ser esquecida.