Na crista da onda e além: Brian Wilson, Dennis Wilson e o ano mais esquisito dos Beach Boys
25/04/2025 // Home  »  ArtigosDestaqueNotícias   »   Na crista da onda e além: Brian Wilson, Dennis Wilson e o ano mais esquisito dos Beach Boys




Texto por Leandro Saueia
Jornalista, colecionador de discos e dono de um “Beach Boys Love You” autografado pelo Brian Wilson

Abertura

Lançados em 1977, “The Beach Boys Love You” e “Pacific Ocean Blue”, único disco solo do baterista da banda, revelam genialidades tortas e emocionais em meio ao declínio do grupo

A história dos Beach Boys é repleta de momentos gloriosos e outros vexaminosos. A fase áurea está nos anos 60, quando a banda pôde contar com Brian Wilson no auge de seu talento criando e produzindo uma série de músicas e discos que ficaram para a posteridade.

Em 1967, Brian embarcou no projeto “Smile” que deixou seu criador muito perto de perder toda sua sanidade (ele abandonou as gravações e só terminou a obra em 2004). A partir dali, Brian foi diminuindo cada vez mais a sua presença criativa e os discos da banda, independentemente de sua qualidade sofreram.

A Banda Na Capa De Um Ep Lançado Na Inglaterra

A Banda Na Capa De Um Ep Lançado Na Inglaterra

A trajetória do quinteto mudaria em 1974, quando a coletânea “Endless Summer” chegou às lojas. Em um momento em que a América começava a sentir saudades de tempos mais inocentes, as antigas canções sobre carros, surf e garotas lançadas por eles década anterior era a injeção de ânimo que o país precisava.

O LP duplo vendeu milhões de cópias e os Beach Boys estavam de novo, trocadilho inevitável, na crista da onda. Com o interesse cada vez maior na banda, trazer Brian de volta ao mundo dos vivos, tornou-se quase que uma obrigação.

Mesmo com o músico claramente sem condições, a campanha “Brian Is Back” foi colocada em prática. O músico voltou a subir ao palco após mais de uma década (ainda que pouco fazendo nas apresentações) e foi anunciado que ele voltaria a compor e produzir para a banda.

O hype funcionou. O mediano “15 Big Ones” levou os Beach Boys de volta ao top 10 dos EUA. Apesar de trazer o crédito “produzido por Brian Wilson”, sua presença no disco era discreta. No trabalho seguinte isso mudaria drasticamente. Lançado em 11 de abril de 1977, “The Beach Boys Love You” é praticamente um trabalho solo de Brian Wilson e o último disco dos garotos da praia onde ele foi a grande força criativa, pelo menos até a chegada de “That’s Why God Made the Radio” em 2012.

Com seu principal criador em um estado mental pra lá de complicado, o LP é daqueles que causam fascínio e estranheza na mesma medida.

Beach Boys Divulgação

Beach Boys 

Quase 50 anos depois de seu lançamento, o que mais chama a atenção em “Love You” é a crueza sonora, ainda mais quando ela veio do homem que ajudou a criar o “padrão Los Angeles de produção” – que nessa época atingia o ápice com Eagles, Fleetwood Mac, Steely Dan gastando os tubos em discos tecnicamente impecáveis.

Sem querer, Wilson parecia mais alinhado ao punk, ou até ao pós-punk, que sequer havia sido criado ainda do que com seus filhos espirituais. Com apenas uma faixa ultrapassando a marca de 3 minutos, o LP tem um clima de demo tape, com sintetizadores em primeiro plano, um som esparso, Brian mostrando que seu falsete angelical de outrora não mais existia, dando lugar a um timbre rouco.

Peter Buck, do R.E.M., fã de longa data do trabalho, escreveu as liner notes do relançamento de “Love You” em CD onde defende que este é o trabalho mais pessoal já feito por Brian, especialmente por ele ter escrito, caso raro, a maioria de suas letras.

Posando Para A People Em 1976

Posando Para A People Em 1976

Uma rápida análise nos mostra que o músico apesar dos 34 anos fazia por merecer a alcunha de “Adult/Child” (também o nome de um disco bastante pirateado gravado nesta mesma época) – anos mais tarde Wilson disse que escreveu as letras propositadamente juvenis imaginando ser a temática esperada pelos fãs da banda.

Na prática, essa decisão levou ao surgimento de músicas como “Roller Skating Child” ou “I Wanna Pick You Up” onde ouvimos um homem com uma voz de quem já viveu bastante declarando amor e desejo por garotinhas.

Ainda no lado “creepy” podemos citar “Johnny Carson” (pensem em Arnaldo Baptista fazendo uma canção chamada “Jô Soares”) e uma parceria com Roger McGuinn, dos Byrds – infelizmente “Ding Dang”, resume-se a cerca de um minuto com seu título sendo cantado.

Calma que nem tudo aqui é porralouquice. “The Night Was So Young” é uma pequena obra-prima, assim como a sofisticada “Let’s Put Our Hearts Together”. Se “Good Time” soa diferente é porque ela foi gravada cinco anos antes – quando Wilson ainda conseguia cantar em registro mais agudo.

Dennis Wilson Por Dean O Torrence 2

Dennis Wilson Por Dean O Torrence 2

“The Beach Boys Love You” não passou do 53° lugar nos EUA, e também não foi abraçado pelos críticos. Hoje em dia ele é visto como um trabalho cult – o site oficial de Brian Wilson tem toda uma linha de merchandising inspirada no álbum.

Cinco meses depois, em agosto de 1977, outro álbum ligado ao grupo chegou sem muito alarde no mercado. Surpreendentemente coube a Dennis Wilson, o baterista que mal tocava nas gravações, e estava cada vez mais entregue às drogas, fazer um trabalho digno do passado do grupo.

“Pacific Ocean Blue” abria com “The River Song”, impressionante parceria dele com o irmão Carl (também principal guitarrista no LP). O restante do material pode não ter o mesmo nível, mas está longe de decepcionar.

“POB” tem escopo variado com R&B, canções alinhadas ao lado mais inovador (e paranoico) dos anos 70, baladas para piano de primeiríssimo nível, uma parceria com Mike Love (“Pacific Ocean Blues”) e outra pequena pérola: “You And I”, com um quê de bossa nova. Os sintetizadores também marcam presença nos arranjos ainda que de maneira bem diferente daquela vista em “The Beach Boys Love You”.

Apesar da qualidade, a estreia solo de Dennis não encontrou seu público de imediato – sua melhor posição na Billboard foi um 96° lugar – e mesmo os críticos, que hoje botam o trabalho nas alturas, também não foram lá muito generosos com o esforço do músico, então com 32 anos.

Não se pode dizer que “Pacific Ocean Blue” tenha sido uma total surpresa. Desde 1968 o filho do meio da família Wilson já vinha colocando suas músicas no repertório da banda e elas invariavelmente se destacavam (“Forever”, “Cuddle Up”, “Steamboat”…). De qualquer forma, aqui ele provou que, tal qual um George Harrison mais despirocado, ele poderia ter uma carreira longe da nave-mãe.

Infelizmente não era para ser. Nos trabalhos seguintes da banda a presença de Dennis foi quase inexistente – botem a culpa na vida desregrada, mas também ao conflito cada vez maior entre ele e Mike Love.

Dennis Wilson morreu, ironia das ironias, afogado em 1983. Logo ele que tinha sido o único legítimo surfista dos Beach Boys. Um segundo álbum solo, que se chamaria “Bamboo”, chegou a ser iniciado, mas ficou incompleto – parte de suas músicas foram incluídas na reedição repleta de extras de 30 anos “Pacific Ocean Blue”.

Dennis Wilson Por Dean O Torrence

Dennis Wilson Por Dean O Torrence

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